Em cinco meses, servidores lotados em gabinetes receberam R$ 92 mil da fundação. Os deputados Professor Joziel (Patriota), Daniela do Waguinho (União Brasil), Otoni de Paula (MDB) e Gurgel (PL)
Ao menos cinco assessores de deputados federais receberam valores da Fundação Ceperj, órgão acusado de criar uma “folha de pagamento secreta” dentro do governo do Rio, ao mesmo tempo em que também eram pagos pela Câmara dos Deputados. Um cruzamento do GLOBO apontou que os servidores estão lotados nos gabinetes de quatro deputados federais da bancada fluminense: Otoni de Paula (MDB), Professor Joziel (Patriota), Gurgel (PL) e Daniela do Waguinho (União Brasil). Ao todo, esses funcionários receberam, em cinco meses, R$ 92 mil da fundação.
Segundo a Constituição, é vedado que um servidor acumule cargo, emprego ou função pública, inclusive em autarquias e fundações, a não ser mediante cessão do servidor. O pagamento de mais de 27 mil pessoas pela Fundação Ceperj foi revelado pelo site UOL.
Na quarta-feira da semana passada, a Justiça do Rio determinou que o Ceperj e o governo do estado interrompam imediatamente essas remunerações, bem como as contratações temporárias, sem que haja prévia divulgação dos dados em portal eletrônico. Segundo promotores do Ministério Públicos do Estado do Rio, os pagamentos desse pessoal contratado ocorria “na boca do caixa” de agências bancárias e somou um total de quase R$ 226,5 milhões em todo o estado.
Remuneração dupla
De acordo com a planilha de pagamentos enviada pelo Banco Bradesco ao Ministério Público do Rio, Daniel dos Santos Bruner, assessor de Otoni de Paula, fez quatro saques em dinheiro entre abril e julho deste ano, referentes a pagamentos do Ceperj, cada um no valor de R$ 7,3 mil. Ao mesmo tempo, foi remunerado por seu trabalho como secretário parlamentar: em junho, por exemplo, seu salário foi de R$ 4,9 mil, além de um adiantamento de gratificação natalina de R$ 2,5 mil.
Houve tentativa de contato com Daniel dos Santos Bruner, mas ele não retornou. Procurado, Otoni de Paula disse desconhecer a atuação do assessor.
— Não tenho qualquer relação com nomeação ou indicações para o Ceperj, o que pode ser confirmado pelo próprio governo. Não tinha conhecimento que o Daniel estava nos programas do Ceperj e já determinei que ele escolha onde quer trabalhar: se lá ou apenas comigo — disse Otoni, que é um dos deputados mais próximos do presidente Jair Bolsonaro.
No gabinete de outro deputado, Professor Joziel, dois assessores também constam na lista de pagamentos do Ceperj: Alexandre Aires Leite e Lohan Zeferino. Aires Leite, que deixou o cargo em maio deste ano, segundo o site da Câmara dos Deputados, recebeu salários da fundação estadual de janeiro a julho de 2022. Em um contato inicial, ele chegou a responder dizendo que já tinha deixado o cargo quando começou a receber os valores da Ceperj, mas, ao ser questionado sobre a data dos pagamentos, encerrou a ligação.
Já Zeferino continua no gabinete do deputado: o site da Câmara registra salário de R$ 2.043, pago em julho, mesmo mês em que ele fez dois saques do Ceperj, cada um no valor de R$ 2.370. Zeferino não atendeu às ligações ou respondeu às mensagens enviadas. A assessoria do deputado Professor Joziel informou que o parlamentar desconhecia o fato de que seus assessores também chegaram a receber dinheiro do Ceperj.
Improbidade
No gabinete da deputada Daniela do Waguinho, do União Brasil, Iris Campos Ramalho foi nomeada em março deste ano, mesmo mês em que começou a receber da Câmara dos Deputados. A parlamentar disse desconhecer a segunda atividade de sua funcionária. Também afirmou que “fará a averiguação da informação e, tão logo constatar essa duplicidade de cargos, promovida de forma unilateral pela assessora em questão, fará a sua imediata exoneração do cargo que ocupa em seu gabinete”.
A história se repete no gabinete do deputado Gurgel, do PL, onde Jonathan Calado Nogueira aparece na folha a partir de fevereiro, mas já recebia do Ceperj desde janeiro, acumulando os dois salários desde então. O político foi procurado, assim como seus assessores, mas eles não deram retorno.
As contratações no Ceperj, realizadas sem transparência, causaram uma crise no governo Cláudio Castro. Após a revelação da “folha secreta” foram identificados pagamentos para assessores na Assembleia Legislativa e na Câmara Municipal de Campos. Nesta segunda-feira, um cruzamento feito pelo GLOBO apontou que, dos 27 mil beneficiários, cerca de cinco mil também receberam valores do Auxílio Emergencial em setembro de 2021.
Segundo a advogada Vera Chemim, mestre em Direito Administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), há indícios de ilegalidade no acúmulo dos dois cargos, reforçado pela falta de transparência das contratações do Ceperj.
— De uma forma isolada, ao realizar esses pagamentos sem qualquer transparência, isso se afigura como um ato que afronta os princípios da legalidade, da moralidade e da publicidade. E, a depender de cada caso, se o deputado sabia que ele acumulava esse outro cargo, esse parlamentar pode ser enquadrado no ato de improbidade administrativa — disse.
Por Dimitrius Dantas — Brasília
Foto: Elaine Menke/Câmara dos Deputados