As marcas já quase desapareceram do rosto, mas a dor profunda permanece na lembrança de Maria, 40 anos. Alvo de agressões rotineiras, ela decidiu pôr fim à sequência de brutalidades depois que, às vésperas do Natal do ano passado, foi atacada com golpes de navalha pelo ex-companheiro, pai de seu filho de 6 anos. Buscou socorro na Patrulha Maria da Penha e foi levada, com o menino, para o Casa Abrigo Lar da Mulher, espaço mantido pelo Governo do Estado Rio de Janeiro em local sigiloso para acolher vítimas de violência doméstica que estejam sob grave ameaça.
Com capacidade para receber até 60 pessoas de cada vez, o espaço já abrigou 2.544 mulheres e crianças desde 2007, quando foi criado após a assinatura de um termo de cooperação técnica entre a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos e o Riosolidário, que é o responsável pela gestão do local. O prazo de permanência é de até seis meses, e o atendimento é individualizado.
– Garantimos a integridade física e psicológica das mulheres e seus filhos. Fazemos um trabalho de proteção, superação e fortalecimento, que conta com atendimento psicológico, hospitalar, social e jurídico. O nosso objetivo é que elas consigam resgatar a autoestima, o vínculo familiar, os amigos e que também, se possível, sejam inseridas no mercado de trabalho. Que saiam do círculo de violência fortalecidas – afirma Sueli Ferreira, diretora do abrigo.
Maria, que ficou três meses no Lar da Mulher, acredita que o período em que esteve lá serviu como um grande aprendizado.
– Morar em um abrigo não é fácil, mas naquele momento era a única possibilidade de vida que eu tinha pela frente. Fui muito bem recebida, toda a equipe é excepcional. Lá, reaprendi a ter autocontrole, confiança e a criar um elo de carinho com o meu filho – diz ela, que voltou a morar na casa dos pais.
Como Maria, Daniele, de 43 anos, foi levada ao Lar da Mulher após ser vítima de violência extrema. Torturada durante 12 horas, chegou a ficar 20 dias entre a vida e a morte, em coma. Quando recebeu alta, procurou ajuda e viveu dois meses no abrigo.
– Eu sei o que eu passei: você não come, não dorme, não sabe se vai acordar viva. Mas o pior já superei. Minha decisão foi superimportante. Eu sabia que existia um programa, mas não tinha conhecimento do Lar da Mulher. A psicóloga, que fez o meu atendimento no Hospital de Saracuruna, ligou para a minha mãe e nós conversamos. Pedi para ser incluída em um programa de proteção contra a violência. Eu queria buscar uma ajuda para ter forças para lutar – conta.
Em uma área de 1.300 metros quadrados, o Lar da Mulher possui 15 quartos, salas de atividades, berçário, lavanderia, salão de beleza e refeitório. As abrigadas são assistidas por 25 profissionais e participam de ações como grupos de reflexão e atividades lúdicas.
– Mulheres vítimas de violência doméstica com iminência de morte têm garantia de entrada no abrigo a qualquer momento. Sempre que um caso for descoberto, deve ser comunicado. Pode ser na escola, numa unidade de saúde, além das delegacias e da Patrulha Maria da Penha, que são responsáveis por esse atendimento. O importante é não se calar nunca – orienta a delegada Cristina Onorato Bento, subsecretária de Políticas para Mulheres.
O encaminhamento à Casa Abrigo Lar da Mulher é feito por meio dos Centros Especializados de Atendimento à Mulher, presentes em 37 dos 92 municípios do estado, ou da Central Judiciária de Abrigamento Provisório da Mulher (Cejuvida), que funciona dentro do plantão Tribunal de Justiça.